27/12/2021 11:08
Um novo grupo de pesquisadores renunciou às atividades relacionadas à Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), ampliando a crise que atinge o órgão do governo Jair Bolsonaro (PL) responsável pela pós-graduação no país.
Vinte e quatro pesquisadores da área de zootecnia/recursos pesqueiros divulgaram carta de renúncia coletiva na noite desta última quarta-feira (22). Do total, 3 são coordenadores, e 21, consultores.
Questionada, a Capes disse que o gabinete da presidência vê com surpresa a decisão, uma vez que demandas dos pesquisadores foram atendidas.
Essa já é a quinta área de avaliação, de um total de 49, a pedir renúncia. Desde o final de novembro, a Capes perdeu os pesquisadores das áreas de astronomia/física, matemática/probabilidade e estatística e química e uma das engenharias.
Os novos renunciantes reforçaram as críticas já feitas por seus pares. As renúncias vieram acompanhadas de acusações de supostas pressões para acelerar a abertura de novos cursos e aprovar ofertas a distância. Ainda teria havido descaso da presidência da Capes em reverter uma decisão judicial que interrompeu a avaliação da pós —isso tudo é negado pelo órgão.
"Torna-se insustentável a nossa continuidade na Coordenação neste momento em que é veiculada uma carta aberta demonstrando alinhamento da alta diretoria da Capes, seguida do pedido de exoneração do diretor de Avaliação, Flávio Anastácio de Oliveira Camargo", diz a carta. "Entendemos que a saída do referido Diretor é mais um capítulo na fragmentação que assola o SNPG [Sistema Nacional de Pós-Graduação] e a nossa querida Agência Capes."
O pedido de demissão de Camargo foi a primeira baixa a atingir o quadro de funcionários diretos da Capes. Os pesquisadores renunciantes não são servidores da Capes, mas têm importância central no processo de avaliação.
No centro da crise está a Avaliação Quadrienal da pós-graduação (mestrados e doutorados) relativa ao período 2017-2020. As atividades foram interrompidas por decisão judicial em setembro, e isso foi o estopim para as primeiras renúncias.
No dia 2 deste mês, a Justiça autorizou a retomada. A divulgação dos resultados permanece barrada.
O grupo que renunciou nesta quarta ainda cita como inaceitável declaração da presidente, concedida ao jornal O Globo, em que classifica o movimento como deserção. "Insurgentes sim, desertores, jamais", cita o texto.
O pesquisador Ronaldo Lopes Oliveira, coordenador da área que renunciou, afirma que o clima já se tornou muito desconfortável para continuar os trabalhos.
"A Capes sempre teve espaço de muito diálogo, e nesse momento primeiro a gente recebe acenos, mas depois vem uma coisa dessa, [falando em] 'insurgentes' ou 'desertores'. Adjetivos que não são típicos do ambiente acadêmico", diz Oliveira, que é professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia).
O pesquisador diz que comunicou a decisão com antecedência ao gabinete da presidência.
Um desses acenos da Capes foi o atendimento de pedido de renovação dos mandatos de coordenadores responsáveis pela avaliação até o fim do ano que vem.
Por meio da assessoria de imprensa, a Capes informou que a presidente não quis ofender os pesquisadores com a entrevista, concedida há alguns dias.
A presidência da Capes tem tentado arrefecer os ânimos no órgão e garantir demonstrações de apoio. Na última segunda (20), conseguiu que os membros do Conselho Superior da Capes assinassem uma carta em seu apoio. Essa foi a segunda missiva que seu gabinete articulou em seu apoio.
Após a divulgação, houve desconforto mesmo entre aqueles pesquisadores que assinaram a carta, segundo relatos colhidos pela reportagem.
"Os termos da carta tratam da necessidade de trabalhar juntos para resolver os problemas da Capes para fazer uma avaliação de qualidade. A assinatura de boa parte dos conselheiros seguiu esse caminho", disse na terça o pesquisador Paulo Jorge Parreira dos Santos, representante do CTC-ES [Conselho Técnico-Científico] no Conselho Superior e que também assina o documento.
Em entrevista à Folha, a presidente da Capes reforçou argumento de que apenas os coordenadores de cada área têm real ligação com o órgão. Segundo ela, a oposição à sua gestão tem relação com misoginia.
Fonte: Folha de S.Paulo
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