04/06/2018 18:10
Livro do jornalista Antônio Gois reúne entrevistas com 14 autoridades da área cobrindo quase 40 anos do MEC
Um lugar formidável para fazer favores.” Assim José Goldemberg, que esteve à frente do Ministério da Educação (MEC) durante parte do governo Collor (1990-1992), descreve a pasta no início dos anos 1990. O tempo passou, mas os depoimentos de 14 autoridades que lideraram a área entre o fim do regime militar e o governo Dilma (2011-2016) mostram que o jogo político continua influenciando um dos ministérios mais estratégicos do país e, muitas vezes, dificultando a continuidade de políticas públicas. Os bastidores do comando do órgão estão no livro “Quatro décadas de gestão educacional no Brasil — Políticas públicas do MEC em depoimentos de ex-ministros”, que será lançado nesta segunda-feira pela Editora Moderna, na Pinacoteca de São Paulo, às 14h.
No total, 19 gestores passaram pelo Ministério da Educação de 1979 (ainda no governo Figueiredo) até 2016, mas poucos foram os que conseguiram perpetuar seus projetos na área. Fica explícita na fala das 14 autoridades que participaram do livro — 13 ex-ministros e Maria Helena Guimarães de Castro, presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no ministério de Paulo Renato Souza (1995-2002) — a importância da estabilidade política e econômica para garantir a continuidade de iniciativas a partir do diálogo entre diversos campos ideológicos. Fica também evidente a evolução do país na área ao longo desses 37 anos, com destaque para o acesso à educação básica e o aumento do ingresso no ensino superior. O entra e sai de ministros, porém, é apontado como uma marca brasileira que impediu um avanço maior.
— Os ministros que ficaram mais tempo no cargo não por acaso são os que deixaram um legado, que construíram políticas que se sustentaram. As pessoas podem discordar das políticas de Paulo Renato Souza e Fernando Haddad (2005-2012), mas o que eles construíram ficou, em parte por causa do contexto. O governo Fernando Henrique era muito forte, teve força para passar o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização dos Profissionais do Magistério, que reorganizou a distribuição de recursos de acordo com a quantidade de alunos), o que hoje seria inviável por ser algo que mexe com tantos interesses. O Haddad pegou o melhor momento do governo Lula, com economia bombando, orçamento da educação crescendo. Eles tiveram uma vantagem, mas também um projeto para apresentar — explica o autor da obra, Antônio Gois, presidente da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) e colunista do GLOBO.
Crise de confiança
O caos político e econômico instaurado em governos como os de Sarney (1985-1990) e Collor fez com que esses gestores se curvassem a arranjos políticos e se ocupassem apenas da resolução de crises. Com essa história recente conturbada, o mandato de Murílio Hingel (gestor do MEC de 1992-1995 durante o governo Itamar Franco) foi importante para modernizar a pasta, mostra o livro. Hingel passou a dialogar com municípios e estados na construção de um sistema educacional com a participação de todas as esferas. A partir dessa percepção, o MEC, que antes centralizava todas as operações do sistema educacional, incluindo a distribuição de merenda, passou a trabalhar com a construção de um plano educacional com metas para dez anos.
Jogando luz sobre esse passado, o livro acaba despertando questões para o futuro. Michel Temer implementou mudanças significativas na área, como a reforma do ensino médio. Mas as políticas levadas a cabo pelo ministro Mendonça Filho resistirão à troca de governo ou entrarão para o rol de iniciativas que não foram para frente?
— Quando o governo faz uma reforma dessa por medida provisória ele assume um risco enorme, porque nenhuma reforma em educação acontece sem aderência dos professores. A implementação da reforma esbarra na falta de confiança em um governo fragilizado, e não vejo como dar certo se o próximo gestor não assumir um processo de diálogo com as secretarias, os professores. Sem dinheiro, sem aderência e sem legitimidade é muito difícil sua implementação — opina Gois.
Para o autor, ainda levará um tempo para a educação voltar a progredir significativamente, principalmente por conta da polarização existente hoje no país:
— Podemos importar um ministro da Finlândia, mas ele não vai dar conta. Há uma crise de confiança na sociedade. Uma parcela do campo educacional nem sequer olha para outros atores. Não acho que precisamos construir consensos, mas qualificar os dissensos. As pessoas perderam capacidade de diálogo, isso foi a pior consequência do impeachment. É um momento de tentar reconstruir o país. Sem arrumar essa zona que fizemos, a educação, no máximo, vai jogar para empatar.
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