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Governo foi alertado desde fevereiro sobre escassez de questões para o Enem

26/11/2021 12:25

Falta de perguntas foi trava para que pressão para técnicos eliminarem questões que desagradam Bolsonaro não fosse mais intensa


Relatório interno do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) mostra que ao menos desde fevereiro o governo Jair Bolsonaro (sem partido) já tinha alertas sobre a falta de questões prontas para integrar as provas do Enem.


Houve pressão das lideranças do MEC (Ministério da Educação) para eliminação de perguntas que desagradam a linha ideológica de Bolsonaro, mas o primeiro dia do exame de 2021, no último domingo (21), teve uma prova considerada equilibrada.

Colagem com estudante fazendo uma prova
Diana Yukari

Por outro lado, não caiu nada, pelo terceiro ano consecutivo, sobre a ditadura militar (1964-1985), período elogiado pelo presidente da República.

Folha revelou na semana passada que Bolsonaro chegou a pedir para o ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, questões que tratassem o golpe de 1964 por revolução, em consonância com o revisionismo histórico que ele e seus apoiadores defendem. Servidores ainda denunciam pressões.

Essa escassez de itens, entretanto, foi uma das travas para que a interferência não fosse atendida de modo mais intenso. Não há produção de novas questões desde 2019.

Questionado, o Inep não respondeu.

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse que há questões suficientes "para mais algum tempo".

"É claro que tem, temos um banco já composto há muitos anos", afirmou Ribeiro à imprensa nesta quarta-feira (24). "Isso não impede que outras perguntas sejam adicionadas a este banco, mas nós temos suficiente para mais algum tempo", declarou ainda.

Enem é elaborado com base em um modelo matemático, a TRI (Teoria de Resposta ao Item), que exige questões calibradas com relação a parâmetros como o de dificuldade. Antes de serem utilizadas nas provas, elas devem ser respondidas por um grupo similar àquele que normalmente faz o exame (nos chamados pré-testes) para essa calibragem.

Uma "baixa disponibilidade em Banco de Itens (questões de prova)" foi citada como um dos "pontos de atenção" em Relatório Semanal Executivo do Inep produzido na última semana de fevereiro, ao qual a Folha teve acesso. O período coincide com a troca na presidência do Inep: o atual mandatário, Danilo Dupas Ribeiro, substituiu Alexandre Lopes no dia 26 daquele mês.

Há receio entre técnicos acerca da viabilidade para o próximo Enem, em 2022, por conta da falta de itens.

O Enem 2021 termina no próximo domingo (28). A edição deste ano ocorre em meio a denúncias de assédio moral a funcionários do Inep, pressões para enquadrar ideologicamente a prova e pedido coletivo de demissão de cargos de chefia. Servidores que participaram da elaboração desta edição temem represálias por causa do conteúdo da prova.

O documento interno do Inep indica preocupação maior com o Enem digital, versão em computador que o instituto aplicou a uma pequena parte dos inscritos nas edições de 2020 —ano de sua criação— e 2021. A "necessidade de realização de novos pré-testes no ambiente digital e futuras análises estatísticas dos resultados obtidos" também foi colocada como ponto de atenção.

Servidores do Inep relataram à reportagem que a manutenção do Enem digital nesta edição chegou a ser colocada em dúvida ao longo do ano por causa de entraves técnicos. A aplicação acabou mantida por se tratar de uma marca de realização da gestão Bolsonaro —técnicos dizem garantir a comparabilidade dessa prova com a de papel, feita pela maioria dos inscritos.

Na prova impressa, a abstenção foi de 25,5%. Já na aplicação digital, que teve 69 mil inscrições confirmadas, a taxa de faltosos foi de 46,1%. Dessa forma, fizeram a prova 2,3 milhões dos 3,1 milhões inscritos (no total, 26% faltaram).

Membros do governo indicam que a pandemia de Covid-19 e as restrições de circulação comprometeram a produção de novos itens e a realização de pré-testes desde o ano passado.

A dificuldade de acumular questões de qualidade é um drama que acompanha o Enem desde 2009, quando a prova passou a ser realizada no formato atual e foi transformada em vestibular, ainda no governo Lula (PT). O plano de fazer o exame de forma digital, com mais de uma aplicação por ano, já era pensado desde então, mas a fragilidade do Banco Nacional de Itens sempre o travou.

Em 2011, por exemplo, um conjunto de questões adotadas em um pré-teste foi contrabandeado para um simulado de um colégio particular do Ceará. Esses mesmos itens caíram na prova oficial, expondo a escassez.

O problema de falta de itens foi intensificado em 2019, quando uma comissão censurou 66 itens cujo conteúdo foi considerado inadequado —houve casos em que se sugeriu trocar a palavra "ditadura" por "regime".

A revista Piauí mostrou na última semana que foram censurados itens que continham quadrinhos da Mafalda, outro de autoria da cartunista Laerte e questões com citações a Ferreira Gullar, Chico Buarque e Madonna.

Em junho deste ano, a Folha revelou que uma portaria do Inep estabelecia uma espécie de "tribunal ideológico", com a criação de uma nova instância permanente de análise dos itens das avaliações da educação básica.

O documento, contrário ao posicionamento técnico do próprio Inep, falava em não permitir "questões subjetivas" e pedia atenção a "valores morais".

Após má repercussão, o Inep engavetou o plano. O Ministério Público Federal ainda recomendou que o governo se abstivesse de fazer filtro ideológico na prova.

Ao longo do ano, as tentativas de interferência no Enem incluíram ainda plano para terceirizar a elaboração de questões para compor o Banco Nacional de Itens. O caso veio à tona em agosto e servidores já haviam identificado a intenção ideológica da medida.

Diante da crise no Inep e das denúncias de funcionários, Bolsonaro chegou a dizer, em 15 de novembro, que o Enem começava a ficar a "cara do governo". Após a primeira prova, negou interferência, assim como fez Milton Ribeiro, e afirmou que o exame ainda mantinha "questão de ideologia".

embate ideológico é a principal marca da gestão Bolsonaro na área da educação. O governo tem aversão a perguntas que tragam, por exemplo, qualquer menção a questões de gênero. Antes de eleito, o presidente já disse ser homofóbico em entrevista gravada.

Para justificar o desejo de alterações no Enem, Bolsonaro e sua equipe têm feito críticas recorrentes a questões que seriam supostamente ideológicas, sem validade para medir o conhecimento técnico. Mas, como mostrou a Folha no domingo (21), as questões que causaram polêmica foram, sim, eficientes em testar o conhecimento.

Fonte: Folha de S. Paulo


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