29/05/2018 17:14
Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 165/2017 que versa sobre a necessidade de realização de exame de proficiência para o exercício da medicina. O projeto é de autoria do senador Pedro Chagas (PSC/MS) e relatoria do senador Ronaldo Caiado (DEM/GO) e está pronto para votação na Comissão de Educação, Cultura e Esporte.
A lei que está em tramitação no Senado Federal tem como objetivo condicionar o exercício da medicina à aprovação de um exame no término da graduação. É evidente a importância de avaliar o preparo e a qualidade de um profissional que cuida da saúde e da vida das pessoas. Mas o que intriga com relação a esta nova proposta é que ela surge para substituir uma lei já existente que possui comprovados benefícios à formação médica. Há menos de 4 anos foi aprovada a lei 18.271/2013, Lei do Mais Médicos, que, entre outras coisas, cria uma avaliação que é realizada no 2°, 4° e 6° anos do curso. A lei que está em vigor prevê que o Ministério da Educação faça um acompanhamento continuado do aluno e, ainda, avalie os conhecimentos teóricos e práticos levando em consideração habilidades e atitudes importantes para a humanização do atendimento.
Assim, por que propor uma lei “pior” que a lei vigente? Há muitos interesses por trás do PL165/2017. Uma das grandes diferenças entre a lei proposta e a que está em vigor, é que, atualmente, a responsabilidade por fazer a avaliação do estudante é do Governo Federal e, ao fazer a avaliação do estudante, é obrigação do governo agir firmemente junto à escola tanto para que ela corrija e melhore a formação desse aluno, quanto para corrigir e mesmo punir a escola que forma mal seus alunos, suspendendo o ingresso de novas turmas e, em última instância, fechando cursos. Na proposta de lei a responsabilidade é toda transferida para o estudante. Ao obter uma formação precária, ficará com todo o ônus, traduzido na reprovação do exame de ordem. Na prática, esse mecanismo autoriza a abertura desordenada de cursos de medicina, uma vez que o controle de qualidade dos profissionais formados estaria restrito ao momento pós-formatura.
Portanto, a proposta não se justifica do ponto de vista técnico e surge como uma saída para favorecer a interesse até então arrefecidos pela legislação vigente. De um lado, está a desresponsabilização do governo para garantir a qualidade do ensino através de avaliação seriada ao longo do curso e a desresponsabilização das escolas médicas que não estariam prestando conta do serviço prestado. De outro lado, está o interesse da parte da corporação médica que vê na baixa quantidade de médicos por habitante (cerca de 2 médicos/1000 habitantes) que o Brasil possui um ponto positivo para garantir a reserva de mercado da categoria em detrimento à real necessidade da sociedade brasileira nos temas de saúde. Segundo a nova proposta, o exame de ordem seria aplicado pela própria categoria médica, que poderia calibrar o grau de dificuldade da prova para permitir a entrada de mais ou menos médicos no mercado.
O único jeito das grandes empresas de educação, que querem abrir o máximo de vagas nas faculdades a baixo custo e sem regulação, entrarem em acordo com o setor mais corporativista da medicina, que quer manter o Brasil com um número de médicos abaixo do desejado para que o trabalho médico no país siga proporcionalmente inflacionado, é com o exame de ordem: as escolas abrem as vagas que desejam, mas o setor corporativista só permite o exercício da medicina à quantidade que não interfira no arranjo produtivo destes profissionais.
É importante enfatizar que a situação da saúde no Brasil já é muito preocupante. Efeitos perversos da redução de recursos decorrente da Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos em saúde por 20 anos, já começam a aparecer, como é o caso da recente previsão por especialistas do considerável aumento da mortalidade infantil para os próximos 30 anos. Para além disso, corre-se o risco de o Congresso Nacional aprovar uma lei que reverterá efeitos positivos do Programa Mais Médicos e, na prática, poderá diminuir o número de médicos disponíveis para a população. Esta medida atenderia apenas aos interesses econômicos dos que querem lucrar com uma educação médica de baixa qualidade, com a falta de médicos e com o adoecimento das pessoas.
Fonte: Estadão
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